Sentença Trabalhista. 2007. – voto de louvor.

Sentença Trabalhista. 2007. – voto de louvor.

PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA DO TRABALHO - TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO - Processo/Ano: 4454/2006 - Comarca: São Paulo - Capital Vara: 89 - Data de Inclusão: 23/03/2007 Hora de Inclusão: 12:07:12 - Processo nº 04454200608902008

Reclamante (s): José Neto da Silva - Reclamada (s): Wide productions ltda.

S E N T E N Ç A.

“Porque é que, na maior parte das vezes, os homens na vida quotidiana dizem a verdade? Certamente, não porque um Deus proibiu mentir. Mas sim, em primeiro lugar, porque é mais cômodo, pois a mentira exige invenção, dissimulação e memória”.

Por isso Swift diz:

«Quem conta uma mentira raramente se apercebe do pesado fardo que toma sobre si; é que, para manter uma mentira, tem de inventar outras vinte».

Em seguida, porque, em circunstâncias simples, é vantajoso dizer diretamente: quero isto, fiz aquilo, e outras coisas parecidas; portanto, porque a via da obrigação e da autoridade é mais segura que a do ardil. Se uma criança, porém, tiver sido educada em circunstâncias domésticas complicadas, então maneja a mentira com a mesma naturalidade e diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse; um sentido da verdade, uma repugnância ante a mentira em si, são-lhe completamente estranhos e inacessíveis, e, portanto, ela mente com toda a “inocência”.

Friedrich Nietzsche, “in” Humano, Demasiado Humano

A. Relatório .

José Neto da Silva, qualificado na inicial, alegando ter sido empregado da ré, sustenta que não viu corretamente quitado e pretende receber, lançando mão de seu direito constitucional de ação, os valores que decorrem de horas extras e reflexos.

À causa atribuiu o valor de R$ 283000,00. Citada, a ré não compareceu a Juízo, tornando-se revel. Foi ouvido o reclamante. Encerrada a instrução processual, dada por infrutífera às tentativas de conciliação.
Assim relato, para decidir.

I – Fundamentos:


Justiça gratuita. Concedo ao postulante os benefícios da justiça gratuita, nos termos do artigo 790, parágrafo terceiro, da C.L.T. (f. 14).

II - Horas extraordinárias:

Alega o reclamante que laborava das 0:00 às 24:00 horas, sem intervalo de refeição e sem qualquer folga, entre 2001 e 2005. Alertado por mim, em instrução, de que, à vista da experiência deste Juiz de mais de 11 anos de magistratura na área do trabalho, era pouco plausível, para dizer o mínimo, o trabalho continuado, sem dormir, nem comer, por mais de quatro anos, insistiu em reafirmar a jornada. Cedeu, apenas, para dizer que entre 12 e 13 horas, dormia um cochilo de 60 minutos.

Em que pese à revelia da reclamada, pondero que a sentença judicial tem caráter e função públicos, não se prestando a ratificar absurdos.

Mentirosa a alegação da inicial.

Com efeito, ainda que laborasse, por exemplo, 20 horas por dia - carga já elevadíssima - mister que se alimentasse, no mínimo, uma vez por dia. Negar sono - uma hora por dia, nos mais de 4 anos da avença - e negar parada para qualquer intervalo - nunca gozou de folgas - é mentir, deslavadamente, em Juízo. E quem mente acintosamente, não tem limites para continuar inventado.

A revelia não confirmaria que o reclamante trabalhava voando por sobre o telhado da empresa, como também não confirmaria que ele recepcionava extraterrestres, quando das visitas regulares dos marcianos a Terra.

Não obstante a confissão da reclamada, por sua revelia, não vejo possibilidade de concessão dos títulos postulados.

O processo não é um jogo de pega-pega, é instrumento de distribuição da justiça e de fixação dos parâmetros da cidadania e isto está acima do interesse privado de defesa do reclamado.


Não pode o Judiciário reconhecer o impossível, sob pena de desrespeito
à sociedade.

Por estas razões, julgo improcedente a pretensão exordial.

Mentir em Juízo é deslealdade processual, razão pela qual, com fundamento no artigo 18 do Código de Processo Civil, fixo pena de 1% do valor da causa, em favor da parte oposta.

III - Dispositivo:

Do exposto, julgo improcedente a pretensão de José Neto da Silva contra Wide productions ltda, para absolver da instância o réu e condenar o reclamante por litigante de má-fé, na forma da fundamentação que este dispositivo integra sob todos os aspectos de direito, observando-se ainda:

Custas.

Serão suportadas pelo reclamante, no importe de R$ 5.560,00 calculadas
sobre o valor atribuído à causa de R$ 283.000,00, de cujo recolhimento fica
dispensada, na forma da lei.

Providências finais. - Junte-se aos autos. - Registre-se. - Cumpra-se. - Ciente, o autor, na forma da súmula 197 do Tribunal Superior do Trabalho. Intime-se o réu.

Nada mais. - Marcos Neves Fava - JUIZ DO TRABALHO - TITULAR DA 89ª VARA DE SÃO PAULO. - São Paulo, 14 de março de 2007.

Colaboração na divulgação. Jaime Facioli. oab,sp.38.510, com votos que a magistratura sinta-se honrada pelo reto proceder do digno juiz Marcos Neves Fava, servindo de exemplo para os que têm sede de justiça e sob os auspícios dos conceitos do saudoso Theotonio Negrão:

“A justiça antes de ser uma ciência é a arte de entregar a cada um o que é seu”.

Americana, 13 de abril de 2007.




Marcos Neves Fava - JUIZ DO TRABALHO