Há quase 90 dias a justiça parou, literalmente, na busca de solução para o movimento paredista dos serventuários da justiça, que persegue reposição de perdas salariais e melhores condições de trabalho.
A paralisação da justiça, representa um retrocesso nas instituições democráticas, um desastre para a advocacia e para o jurisdicionado. Há advogados que estão adentrando na fila do auxílio fornecido pela Caasp, para suprir as suas necessidades primárias.
Não faz dois anos, que movimento semelhante a esse na Justiça Paulista paralisou cerca de 10 milhões de processos. Nas atividades normais da administração da justiça, há inúmeras deficiências em razão de sua morosidade, excesso de recursos processuais, falta de pessoal, falta de material, e desaparelhamento da administração da justiça, fatos estes que permitem asseverar hoje, perto de três meses de greve, que estamos próximo de uma catástrofe.
Os cidadãos têm adiadas suas expectativas de direito, de justiça, do recebimento de seus créditos, das prerrogativas da liberdade e da melhor administração do Poder Judiciário, para bem poder cumprir o seu papel na sociedade, que busca com tanta sofreguidão eleger novos prefeitos e vereadores.
Por traz dessa falta de responsabilidade civil, como não poderia deixar de ser, há interesses criptos e políticos e, o sofrimento espraia-se nos escritórios de advocacia e nos advogados, que não sabem como informar aos seus clientes quando voltará a funcionar a justiça, cumprindo o Estado o seu papel.
Há um projeto de Lei preparado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, endereçado ao governador Geraldo Alckmim, saneando os caminhos para viabilizar recursos orçamentários necessários, que contemplariam o justo pleito dos serventuários.
Ao que se sabe, não se logrou êxito até agora, e a situação recrudesce a cada dia, a cada hora. De um lado, o Governador não se sensibiliza com os interesses da Justiça. De outro, o Presidente do Tribunal de Justiça mandou cortar o ponto dos serventuários.
Significa dizer, que não haverá mais folha de pagamento se não houver volta ao trabalho. Liminar foi concedida pela Justiça Federal, compelindo os serventuários a retornarem ao serviço. Não foi obedecida a ordem. O impasse está criado. Sofre a população. Sofre os paracletos. Sofremos todos nós. Somente os políticos encontram solução para os seus interesses. Já se comenta, inclusive, que não há esperanças de um retorno das atividades normais forense antes das eleições.
Depois, também, ninguém sabe e não imagina a nossa vã filosofia, quando isso poderá ocorrer.
O fato é que : A greve do Judiciário paulista encontra-se sem solução próxima.
Há projeto de contratação pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de três mil estagiários para suprir, em parte, as terríveis conseqüências da paralisação. Entretanto, ainda que a proposta se materialize, não auxiliará, pois pessoas sem habilidade com o trato da liça judicial, tendem a complicar mais do que auxiliar, o que irá gerar estipêndio desnecessário. O que é preciso é resolver o impasse.
Os prejuízos estão na área cível, causando espinhos para autores e réus nos conflitos judiciais, que não imagina nossa vã filosofia seja possível nominar nesse opúsculo, mas o certo é que a ninguém será licito olvidar a justiça e as responsabilidades civis.
O sofrimento maior está na área criminal. Diz-se na linguagem forense, quanto aos processos penais, que os prazos prescricionais não se interrompem com a greve, não havendo prejuízos para a população, porquanto muitos acusados seriam, em verdade, privilegiados pela extinção da punibilidade.
Esse raciocínio é espúrio e não edifica a consciência do justo, porque há milhares de presos, no Estado de São Paulo, aguardando a liberdade, tudo por força do cumprimento dos prazos assinalados aos regimes semi-abertos e abertos, ressaltando-se os livramentos condicionais.
Amontoam-se petições para a tramitação das execuções criminais, tanto na Capital como nas quase trezentas Comarcas do interior. Os presos, quase ensandecidos, passam a acusar seus advogados de inércia. Os defensores vão aos juízes das execuções, prestando atendimento ao cliente, mas de nada resolve, porque as petições, quando despachadas, vão diretamente à mesa dos serventuários, e ali dormem em berço esplendido.
Os familiares dos condenados não captam a gravidade da emergência. Vergastam aqueles que mais próximos estão, os defensores. De outra parte, embora merecendo progressão nos regimes das penas, os prisioneiros se vêem amontoados em distritos pestilentos, ressalvando-se um ou outro cárcere mais adequado, sob a administração, da Secretaria de Administração Penitenciária.
Noventa por cento dos cárceres apodreceram.
É conceito notório a saciedade que, máxime na seara jurídica que o tiranicídio é um fenômeno causal, fato que abomina a consciência do justo em razão das situações sociais extravagantes, em que um governo totalitário pode conduzir o povo à insurreição.
Diante dessa justiça estiolada, com aproximados 90 dias de “paralisação”, chega a ser milagrosa a conformação dos cem mil presos do Estado de São Paulo, sabendo-se que os habeas corpus também se multiplicam nos Tribunais de Justiça e Alçada, que ausentes de documentação adequada, restam sem concessão de liminares, pois a situação gerada é entendida como se fosse uma peste, justificando restrições extravagantes.
Na hipótese vertente, a medida excepcional é a inanição.
No meio dessa turbulência, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assevera que os processos de réus presos têm tratamento regular.
A questão não é bem assim.
Os tribunais vêm julgando, entre outros, a sobra do pretérito, mesmo que se admita que o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo cumpra sua missão a contento, na medida das dificuldades experimentadas. Mas, os 100.000 presos, dos quais 1/3, no mínimo, com direito a um benefício qualquer, olham admirados e com revolta, por entre as grades das celas, essa sociedade que lhes coloca nos ergástulos, que está livre, mas com manchas no seu caráter, bem simbolizando a hipocrisia do momento que vivemos.
A voz do preso é a voz do seu advogado. O advogado não sabe o que fazer. Os serventuários exigem solução adequada. Na emergência, se examinarmos a gravidade da situação, o remédio seria o de rebelião, atitude ilegal é certo, mas justificada diante do estado de necessidade que suporta a inação dos serventuários, a perplexidade do juiz e a angústia dos advogados.
Acontece, que os presos não podem partir para a rebelião, pois o encarcerado deve cumprir sua pena. Mas, quem sabe, nas contingências inditosas do momento, um brado de alerta como um grito uníssono dos 100.000 homens que têm as carnes degeneradas nos cárceres paulistas, não moveria os corações amargos daqueles que não encontram a solução. O estertorar dessa súplica deveria repercutir dentro das janelas de todos os intervenientes, em busca de um final mais rápido e feliz, ou se feliz não for, terminar ao menos com o terror existente e as desesperanças que grassam as almas daqueles que tem sede de justiça.
Diante desse quadro desalentador, e da absoluta ausência de interesse pulcro para a solução do problema social de tamanha magnitude, ficamos nós, os advogados que já não sabem como proceder e o povo, que suporta tamanha desconsideração das próprias instituições democráticas, na rua da amargura.
Daí para a rebeldia estamos a um passo. O MST já prega nas cabeças fragilizadas das crianças a irresponsabilidade civil, o desrespeito as instituições democráticas constituídas. Que será de nós, se a própria administração da justiça, não se fizer capaz de resolver as suas dificuldades?
O caos e o desespero são eminentes.
A falta do pagamento, autorizada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, dos serventuários vai gerar miséria, revolta e crise social sem precedente. A falta de solução rápida e eficiente, nos levará a agonia. Que pensem os políticos, pois quando é com eles a dificuldade, jamais faltam recursos, por mais extravagantes que sejam.
Tudo já se fez no caminho da diplomacia.
Ao que consta, a OAB-SP já apelou para as partes envolvidas na negociação dos serventuários, Tribunal de Justiça e governo do Estado, para que tivessem flexibilidade nos seus interesses, evitando a paralisação da prestação do serviço jurisdicional.
Não se obteve êxito. Estamos vivendo um descrédito e uma desesperança para o Poder Judiciário, para o próprio governo e para os serventuários da Justiça, que prejudica toda a sociedade, detentora do direito legal a este serviço essencial ao Estado.