A incompreensão de alguns e críticas desvirtuadas de outros têm levado à sociedade uma imagem distorcida da advocacia, colocando-a como responsável pelos desacertos administrativos, funcionais e institucionais do Poder Público, especialmente no que se refere à desestruturação crônica do Poder Judiciário e à inércia governamental.
Colabora, para isso, a contumaz ausência do Estado no espaço de políticas públicas eficientes, criteriosas, planejadas e uniformes, particularmente no que se refere à segurança pública. O acervo crítico se fundamenta em desvios de conduta por parte de alguns advogados no exercício da atividade, como se a exceção pudesse autorizar a generalização ou como não houvesse a consciência da relevância da missão social do advogado.
Tenho afirmado que os advogados e a OAB, ao longo da história, têm sido os guardiões dos interesses da sociedade. Que significa tal defesa? Significa ser partícipe de reivindicações sociais e lutar para tornar concretos os direitos fundamentais dos cidadãos.
A indispensabilidade do advogado na administração da Justiça (art. 133 da Constituição Federal) decorre de sua missão social, permitndo o equilíbrio das relações jurídico-processuais e contribundo, decididamente, para a paz social. O advogado é o artífice da realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo o primeiro formador de opinião e, também, o primeiro formador da jurisprudência e da ação da Justiça. Trata-se do elo criativo, que faz aplicar a abstração da norma ao fato.
A prática da Justiça se torna impossível sem sua presença. O advogado é o primeiro operário a trabalhar as bases do edifício da cidadania. Sua atividade está intimamente atrelada à idéia de paz social.
Reconhecendo a indissociabilidade do binômio “cidadania-advocacia”, a Constituição garante a essencialidade do exercício da advocacia. É essa a garantia que preserva o equilíbrio das relações humanas, sociais, políticas e jurídicas. Essas razões deixam claro que só é possível um perfeito exercício de tão nobre missão onde medram a independência e a liberdade.
A advocacia, como o jornalismo, só subsiste e se torna eficaz em regime de liberdade. Sua supressão e sua restrição abrem caminhos para regimes autoritários, onde se nega o direito e se deforma a Justiça. O advogado gaúcho Nereu Lima escreveu que sem a independência e a liberdade, morreria o advogado um pouco a cada dia e, com ele, também “o sonho da humanidade de contribuir para uma sociedade mais justa, mais fraterna e, acima de tudo, livre”. Despojar o advogado desses atributos e despojar a própria sociedade de seus direitos. Sem direito, não há Justiça; e, sem Justiça, não há democracia.
A missão social do advogado faz com que a OAB, a quem cabe a seleção, disciplina e defesa das prerrogativas profissionais, não se torne corporativa em relação ao estrito cumprimento dos deveres éticos de seus associados. A entidade tem sido implacável na imposição de penas, que chegam à exclusão, contra aqueles que violam os preceitos éticos e legais. Não pode, contudo, a OAB calar-se ante a ignomínia de detratores da advocacia, quando, no intuito de cercear a liberdade do advogado, ensejam a implantação do regime da barbárie, silenciando o preceito constitucional do devido processo legal, criando penas cruéis que ultrapassam os limites da equivalência crime-pena.
As críticas que se fazem aos advogados, ressaltadas no início do artigo – a culpa pela morosidade da Justiça e cumplicidade e estímulo à violência – além de injustas, merecem prontas rejeições. No que tange à crônica morosidade da Justiça, é oportuno lembrar que o único ator do processo com prazos – e os cumpre – é o advogado.
Esses prazos, regra geral, são curtíssimos, e os advogados são obrigados a cumpri-los, sob pena de fazer perecer o direito do cliente. Não podem alegar “acúmulo de serviço”. A morosidade da Justiça tem inúmeras causas, dentre elas, o desaparelhamento, fruto da desídia governamental.
Quanto ao tópico da segurança pública, percebe-se que a advocacia acaba sendo objeto de uma crítica feroz, imprópria e injusta. A questão da criminalidade integra o rol de omissões dos governos, pela ausência de planejamento sério, eficiente e integrado de combate à violência. Os resultados se apresentam na corrupção generalizada, na violência da repressão, nos falidos e cruéis regimes carcerários. Como pano de fundo, estão as causas radicais geradoras do crime: os desequilíbrios sociais, as injustiças, o desprezo das elites em relação aos mais desafortunados, a precariedade da política educacional, o desemprego. O crime se organizou porque o aparelho estatal é desorganizado, sendo em alguns locais ou setores, cúmplice e corrupto.
Façamos um estudo sério dos problemas, sem procurar “bodes expiatórios”. Chegou a hora da reação, da verdade, das mudanças. Precisamos mudar, sim; porém, sem romper os preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Para essa meta, a presença dos operadores do direito é indispensável e essencial. Isso não é corporativismo; é, sim, idealismo